domingo, 23 de outubro de 2011

Poesia - Manoel de Barros

O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.

Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.




A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.




A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.




O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
 A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio
do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.




Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira.




Com o tempo descobriu que escrever
seria o mesmo que carregar água na peneira.
 No escrever o menino viu
que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.




O menino aprendeu a usar as palavras.
 Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro botando ponto final na frase.


Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.




Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
 A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas
peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.




Manoel de Barros

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