FÁBRICAS FECHANDO, empresas pedindo concordata, milhares de trabalhadores perdendo
seus empregos, produtos baratos chineses invadindo o mercado, crise para todo lado.
Parece a situação atual no mundo, não é mesmo? Mas acredite: estou falando da Suíça
nos anos 1970 – uma prova de que os problemas se repetem, em lugares e épocas distintas.
O cenário descrito acima retrata a indústria relojoeira daquele país. Tradicional fabricante
do produto, a Suíça tinha seu posto ameaçado pelos japoneses, chineses e coreanos. Os
relógios digitais dos países orientais eram extremamente baratos, resultado de uma
combinação entre produção em série e mão-de-obra não especializada. Enquanto isso, os
suíços continuavam com a cara e lenta fabricação artesanal.
Alguns modelos levavam até três
meses para ficar prontos.
Para reagir, o país enfrentava outra barreira além da concorrência: a tradição. Ao lado do
chocolate, o relógio é um dos maiores orgulhos da Suíça. Fabricar os melhores, mais exatos e
perfeitos relógios do mundo sempre foi questão de honra. O orgulho é um sentimento
perigoso. Em excesso, tem efeito paralisante. E pode levar os negócios à ruína.
A bancarrota seria o destino da indústria relojoeira suíça se não se adaptasse. E rapidamente:
as marcas orientais, principalmente Seiko e Citizen, avançavam como gafanhotos. Entre 1977
e 1983, a participação da Suíça no mercado encolheu de 43% para 15%. De líder mundial, o
país recuou para a terceira posição, atrás da China e do Japão.
Desesperadas, duas grandes empresas resolveram se aliar. A General Company of Swiss
Watchmaking e a Societé Suisse pour l’Industrie Horlogère, antes rivais, uniram forças para
enfrentar o inimigo.
O primeiro passo foi deixar o orgulho de lado e simplesmente copiar os orientais,
automatizando a linha de produção. O segundo foi reduzir ao máximo o número de
componentes em cada relógio: de 91 para 51 peças. O terceiro foi buscar um substituto para
o dispendioso aço utilizado nas pulseiras, que, sem cerimônia, foi trocado pelo plástico.
Nem precisa dizer que as mudanças chocaram o restante da indústria do país. “Isso é uma
ofensa, uma agressão à nossa história”, dispararam os concorrentes. O temor era manchar a
reputação suíça e abalar a imagem de autoridade mundial no segmento.
Mas os dois fabricantes se defenderam, afirmando que as decisões foram tomadas com o
cuidado de não comprometer a qualidade e honrar a tradição. Apesar de feito à base de
plástico, o novo relógio era à prova d’água e mantinha a precisão e a resistência a choques.
Essa reação é comum: toda quebra de paradigmas enfrenta resistências. Como observou
com perfeição o cientista britânico James Lovelock: “As idéias realmente originais seguem
uma trajetória familiar. Primeiro, as pessoas dizem que se trata de um absurdo, depois dizem
talvez e, finalmente, garantem tê-las defendido desde o começo.”
Além da tradicional qualidade, os suíços optaram por permanecer na tecnologia que
dominavam com perfeição – a dos relógios analógicos – em vez de seguir os japoneses e seus
modelos digitais.
Se o objetivo fosse apenas cortar custos, estaria resolvido. Mas os europeus sabiam que não
era suficiente.
Os asiáticos poderiam agir como verdadeiros kamikazes e baixar ainda mais os
preços. Poderiam também, com o tempo, elevar a qualidade de seus produtos. Ou seja, o
problema seria apenas adiado.
Era preciso criar algo mais, um diferencial claro, uma personalidade única, um valor
emocional, qualquer coisa que pudesse fidelizar os consumidores e blindar a indústria contra
investidas futuras da concorrência.
Os suíços concluíram que era preciso reinventar o negócio. Até então, o relógio era visto
como um artigo duradouro, para a vida inteira.
O sujeito escolhia o modelo que mais
combinava com ele e não trocava mais. Isso era ruim para o segmento, porque cada pessoa
comprava o produto apenas uma vez. Melhor seria se as pessoas pudessem renovar a
mercadoria, trocar as peças diariamente, como fazem com as roupas.
Com esse raciocínio, os dois fabricantes transformaram o relógio num artigo de moda. A
revolucionária estratégia seguia a mesma lógica das coleções de alta costura: lançar modelos
diferentes a cada estação.
Assim, em 1983, foi lançada a primeira coleção Primavera/ Verão da marca Swiss Watch,
ou apenas Swatch, como ficou conhecida depois.
Com seis modelos femininos e oito masculinos, as peças coloridas imediatamente
conquistaram os jovens.
Duas vezes por ano, a Swatch apresentava as linhas clássica, esporte, lazer casual, moda e
arte. A estratégia permitia também aproveitar oportunidades, criando modelos inspirados em
eventos ou acontecimentos importantes, como a passagem do cometa Halley, em 1986.
Até a publicidade foi inovadora: para divulgar as coleções, a empresa chegou a pendurar
réplicas enormes, de até 150 metros de altura, em arranha-céus das principais cidades da
Europa e dos Estados Unidos.
O público aderiu em massa e o Swatch se transformou numa febre mundial. Mas, por
pouco, a solução não chega tarde demais: até 1983, mais de 80% dos trabalhadores do
segmento na Suíça haviam perdido seus empregos.
Graças ao fenômeno, os suíços não apenas se recuperaram, como construíram uma marca
pop global. Além de redefinir toda uma categoria de produto, ainda recolocaram o país na
liderança mundial no segmento. Em 1992, os relógios da marca já eram os mais vendidos.
Atualmente, de cada quatro modelos vendidos no mundo, um é Swatch.
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